sábado, 21 de fevereiro de 2009

O Aranha Negra

O primeiro goleiro que eu imitei na vida, que eu gritei o nome quando fiz alguma defesa em pelada foi o maior de todos. Lev Yashin, o Aranha Negra, foi o primeiro goleiro a ter os fundamentos modernos da posição. Ao contrário dos guarda-redes mais antigos, cujo objetivo era apenas e tão somente evitar que a bola entrasse, não importando se a defesa foi com o pé, o nariz ou dando um salto-escorpião, o Aranha Negra sabia que a técnica correta podia ajudar a expandir o alcance das suas defesas. Ele sabia cair (o que implica em saber saltar), sua ponte era perfeita e ele foi um dos primeiros goleiros a ir em bolas altas de mão trocada. Além disso, Yashin tinha um reflexo estupendo, muito provavelmente fruto de seus dias de goleiro de hóquei no gelo, e muita elasticidade. Suas saídas do gol em direção ao atacante, fechando os ângulos com os pés paralelos foi a precursora da técnica de Dois passos e pára (em breve na seção Definições), popularizada por Emerson Leão no Brasil algumas décadas depois. Ele cortava cruzamentos com socos direcionados para seus companheiros, para que armassem contra-ataques, e suas saídas de bola rápidas com a mão assombraram o mundo, acostumado que estava com goleiros que simplesmente repunham a bola em jogo. Por fim, Yashin foi um dos primeiros goleiros a falar com sua defesa o jogo todo, organizando o posicionamento e alertando para a passagem do adversário, a ponto de sua mulher reclamar que ele gritava demais nas partidas. Quem já me viu jogando sabe o que eu penso sobre o assunto.

Diz a lenda (se comprovar os mil gols do Romário já foi difícil, imagina levantar as estatísticas de um goleiro na Rússia soviética das décadas de 50 e 60) que, durante seus 22 anos de carreira, Yashin defendeu 150 pênaltis. Dá quase 7 por ano. Isso do cara que disse que "A alegria de ver Yuri Gagarin no espaço só é superada pela alegria de uma boa defesa de um pênalti". A lenda, essa falastrona, também diz que ele ficou 207 jogos sem tomar gol nos 812 da carreira, entre Dínamo de Moscou e seleção soviética. Dá mais de 25%, ou 1 jogo invicto a cada 4. Isso em uma época em que 2 zagueiros e 1 volante eram sinônimo de retranca!

Uma das suas citações que eu mais gosto é "Que tipo de goleiro não se atormenta com o gol que sofreu? Ele deve se atormentar! E se ele estiver calmo, isso significa o fim. Não importa o que ele fez no passado, ele não tem mais futuro". Voltarei a esse tópico mais tarde, pois é parte do que eu penso da posição e dos problemas psicológicos necessários para abraçá-la. Há que se manter inconformado para ser um bom goleiro.

Procurando no Youtube, não achei nenhum clipe lá muito legal, mas esse já dá uma idéia de como o cara era bom, principalmente nas defesas cara a cara e nas pontes.

http://www.youtube.com/watch?v=tVa_OwJgUlY

Curiosidades da carreira de Yashin:

  • Na sua estréia pelo Dínamo, em 1949, levou um gol de tiro-de-meta, o que fez com que amargasse o banco até 1953. Chegou a pensar seriamente em largar o futebol e se dedicar integralmente ao hóquei.
  • Ele sempre foi considerado um goleiro frio, mesmo nas situações mais tensas dos jogos. Segundo consta, isso se devia ao cigarro que fumava antes dos jogos "para acalmar os nervos" e à vodca que tomava "para tonificar os músculos".
  • Em 1962, ele foi considerado o principal culpado pela catastrófica campanha da URSS na Copa do Chile (lembrando que ser considerado culpado de um vexame nacional na URSS comunista era algo perigoso) e decidiu abandonar o futebol. Felizmente, reconsiderou a opção e voltou à meta do Dínamo e da seleção no ano seguinte, sofrendo apenas 6 gols em 27 partidas. Sua importância na classificação da URSS para a Eurocopa do ano seguinte foi tamanha que ele foi o primeiro (e único até hoje) goleiro a ganhar a Bola de Ouro de melhor jogador da Europa.
  • Ele era fã do futebol brasileiro e de Gilmar dos Santos Neves. Em 1965, conseguiu uma licença do governo para visitar o Brasil e passou um tempo no Rio de Janeiro, curtindo as praias e treinando no Flamengo para manter a forma.
  • Desde 1994 a FIFA entrega ao melhor goleiro da Copa do Mundo o troféu Lev Yashin. Preud'homme, Barthez e Kahn já receberam a honraria.

Nada melhor do que abrir o panteão de Lendas com o cara que devia dar o nome ao prédio.

sexta-feira, 20 de fevereiro de 2009

Rankings

No final de 2004, um amigo me mandou uma lista dos cinco melhores livros lidos e dos cinco melhores filmes vistos por ele no ano. E me pediu para mandar de volta as minhas listas. Pois bem, elaborar essas listas assim de supetão foi praticamente impossível. Eu não conseguia lembrar nem o que já tinha visto, ou quando tinha lido, quanto mais elencar os cinco melhores. E isso me deixou preocupado. Afinal, gosto tanto de ler e ver filmes quanto de sugeri-los para os amigos. Como é que eu posso ser tão descuidado quanto ao que eu consumo e ao que eu indico? Cadê o controle de qualidade?

Assim, no ano seguinte, resolvi listar os livros que fosse lendo e os filmes que fosse vendo para poder mandar ao meu amigo. Nome do livro, autor, gênero, língua, ano de leitura e uma nota, para futura referência. Com a tabela pronta e sem nenhum livro já lido no ano para populá-la, resolvi colocar os do ano anterior, para quem sabe retificar a lista enviada ao meu amigo. A lista foi crescendo e passei para 2003. Daí para 2002. E então, veio a ambiciosa idéia de fazer uma lista de todos os livros que eu já tinha lido na vida! Se tivesse tudo catalogado e com notas, facilitaria tanto para sugerir um título aos amigos quanto para nortear minha próxima leitura.

Com a ajuda da internet, fiz um rastreamento na memória RAM do meu cérebro e consegui lembrar, se não todos, a maioria dos livros que já tinha lido, que contavam pouco mais de 200. A partir daí, criei uma série de rankings e indicadores que me ajudam tanto na sutil arte da indicação quanto na difícil missão de selecionar os próximos de livros no meio da selva editorial.

Claro que esqueci alguns livros e, quando cruzo com eles novamente, atualizo a lista. E claro que devo ter me enganado quanto ao ano exato em que li Emília no País da Gramática ou O Cão dos Baskerville. Mas esses pequenos deslizes não atrapalham o objetivo maior, que é me dar um panorama do que eu já li e do que eu achei do que li.

O ranking de filmes não é tão legal. Primeiro, porque a quantidade de filmes esquecidos e esquecíveis é gigantescamente maior. Segundo, que eu sou muito mais exigente nas notas dos livros do que na dos filmes. Só como exemplo, de um universo de 496 filmes, 83 já ganharam nota 10. Nos livros, em um universo de 309, apenas 3 receberam 9,5 até agora.

O problema é que ranquear é viciante. Já fiz rankings de presença nos jogos e dos artilheiros do meu time no campeonato interno. Já pensei em um das melhores partidas que eu já assisti. Ultimamente, tentei fazer rankings de viagens e de games, mas nenhum deles avançou muito. O ranking de Livros continua sendo o meu xodó.

Algumas curiosidades dele:
  • Os três livros 9,5 são Operação Cavalo de Tróia 6, Harry Potter and the Deathly Hallows e World Without End.
  • O ano em que eu mais li foi o passado, com 26 livros. O ano em que eu li livros melhores foi 2007, com uma média de 8,30 por livro.
  • Cinco autores tem média de 9,0, mas apenas do Howard Fast eu li mais de um livro.
  • O autor que eu mais li foi o Monteiro Lobato, com 15 livros.
  • No total, já li 309 livros de 143 autores diferentes.

Hoje, estou lendo A Audácia da Esperança, de um tal Barack Obama. Yes, we can!

Pedro Herz Inaugural

Reza a lenda que o futebol é a mais importante das coisas menos importantes da vida. Longe de mim refutar essa sabedoria secular, mas no meu caso, o título de mais-importante-das-coisas-menos-importantes é dividido com outro concorrente: as histórias. Todas as histórias, dos documentários à ficção científica, do jornal de hoje aos acontecimentos na Terra-média, passando pela Casa Branca, por Hogwarts e pelos bastidores do BOPE. E sem restrição quanto ao formato: pode chegar a mim através de livros ou filmes, num seriado ou em músicas, oralmente ou em um blog. Se a história é interessante e/ou bem contada, pode ser tão hipnotizante quanto uma final de Copa do Mundo.

Pois bem, nessa seção vou falar da metade da mais-importante-das-coisas-menos-importantes referente à cultura. E não há lugar melhor para quem gosta de livros, filmes e música do que a Livraria Cultura. Se você é de São Paulo e ainda não a conhece, vá conhecê-la. Especialmente a do Conjunto Nacional, na Av. Paulista, que oferece um verdadeiro banquete para os sentidos. O lugar tem um pé direito deveras imponente, além de cheiro de café e livro novo. Sem falar na grande variedade de opções, não só de livros, mas também DVDs e CDs, capaz de deixar qualquer um louco. Se eu ganhasse na Mega-Sena, não compraria tudo da Cultura. Eu compraria uma Cultura.

Pedro Herz é o dono-presidente-CEO desse paraíso na Terra. Não sei mais dele do que o que sai na mídia, mas acredito que uma pessoa pode ser avaliada pelo que faz. E ele fez com que os conceitos de megastore e livraria voltassem a caber na mesma sentença.

A ele, por reunir todas as histórias em um ambiente tão agradável, meus agradecimentos.

quarta-feira, 18 de fevereiro de 2009

Primeira Bola

Entidade mítica para todos os jogadores, independente da posição, a Primeira Bola que o dito cujo recebe na partida meio que quebra o gelo, dilui a tensão e faz com que ele esqueça tudo o que está em jogo - seja seu futuro profissional, o leitinho das crianças, o título do 1º turno do campeonato interno do clube ou uma caixa de cervejas - para se focar na bola e suas circunvizinhanças.

Alguns jogadores dependem do sucesso nessa primeira jogada para acalmar os nervos e ganhar confiança. Era o caso do goleiro Sergio quando jogava no Palmeiras. Como são-paulino, pude testemunhar que o primeiro chute, se bem defendido, transformava-o em uma muralha. Mas se quaquer problema acontecesse nessa intervenção inicial, a área do alvi-verde seria um deus-nos-acuda até o fim do embate. Cheguei a pensar em escrever para o Telê, pedindo que ele instruísse o time a não desperdiçar a Primeira Bola em jogos contra o Palmeiras com chutes fáceis, mas nunca concretizei a idéia.

Dario, o Dadá Maravilha, é outro caso emblemático. Conforme o Falcão nos conta em seu excelente Histórias da Bola, todo começo de partida o Dadá caia pela lateral, pedia a bola, dominava e devolvia para quem tocou. Sem esse pequeno ritual, ficava nervoso e não conseguia jogar. E pensar que algo tão prosaico era o ponto fraco de uma das três coisas que paravam no ar (Nota do Blogueiro: até onde se sabe, o helicóptero e o beija-flor continuam parando).

No meu caso, a Primeira Bola é um indicador de quão bem preparado eu estou para a partida. Em outras palavras, quão naturais e intuitivos os movimentos estão. Caso não estejam lá essas coisas, o jogo é bem mais cansativo, pois requer atenção em toda e qualquer intervenção, por mais simples que seja.

Sim, há mais coisas entre o céu e a Terra do que supõe a nossa vã filosofia. Dentro das quatro linhas, então, nem se fala!

segunda-feira, 16 de fevereiro de 2009

Ave, César

A violência nos clássicos em São Paulo e Belo Horizonte causou tanto rebuliço na mídia que o derby de Milão passou praticamente despercebido. E olha que lá, se não teve de tudo, teve uma boa quantidade de muita coisa: gol de mão, golaços, gol anulado, penalti não marcado e o que realmente importa, ótimas defesas!

Do lado vermelho da cidade, a meta estava a cargo de Christian Abbiati , um goleiro sóbrio, rodado e com uma história interessante no futebol. Ele começou no Milan em 98, no banco de Sebastiano Rossi (goleiro do Milan holandês, em breve na seção Lendas), assumiu a posição em 99 e a manteve até a Liga dos Campeões de 2002/03, quando foi suplantado por Dida. Em 2004, seu site pessoal publicou um editorial espinafrando tanto o técnico Carlo Ancelotti, por não permitir que ele se transferisse para o Palermo, quanto o próprio Dida, por ter falhado em um amistoso contra a Sampdoria. Abbiati negou a autoria do tal editorial, disse ser responsabilidade do webmaster, com quem ele nem falava direito, mas o clima já tinha ido para as cucuias. No ano seguinte, o italiano começou sua peregrinação de empréstimos. Passou por Gênova, Juventus, Torino e Atlético de Madrid, até que voltou para o Milan para - ironia do destino - substituir o Dida, que já não passa mais tanta segurança.

Voltando ao jogo, Abbiati teve uma boa atuação, apesar da derrota. Sofreu o primeiro gol no começo do jogo, em mais uma cabeçada-soco de Adriano que a arbitragem não viu, e o segundo em uma jogada rápida da Inter, em que Stankovic já estava concluindo enquanto ele ainda estava tentando se posicionar. Porém, foi seguro em todo o restante da partida e fez duas boas defesas, uma em um chute de Ibrahimovic e outra com o Adriano cara-a-cara (embora tenha se posicionado errado também nesse lance).

Mas o que o impediu de ser o goleiro da partida foi o fato de que do lado azul, o maestro da defesa era Julio César e o cara tem comido a bola ultimamente. No amistoso contra a Itália, além de sair invicto, fez uma defesa de puro reflexo em um chute à queima-roupa de Luca Toni, daquelas que mostram que o goleiro está na ponta dos cascos (a.k.a. em plena forma). Como meu pai diz, ele deve entrar em campo pensando "quero ver o que esses caras vão fazer para meter um gol aqui" (o oposto de "quero ver o que eu vou fazer para impedir que esses caras façam gol aqui", que denota uma falta de confiança às vezes confundida com medo, mas que pode derivar também de outros fatores, como a situação do gramado e a qualidade da zaga). Essa é uma fase perigosa, em que o goleiro tem que ter mais atenção, pois está com a auto-confiança lá em cima e pode acabar menosprezando bolas mais fáceis, culminando no popular frango.

De qualquer forma, não foi no domingo que o pouco simpático galináceo deu as caras. Julio tomou um gol válido e um anulado (que curiosamente deveria ter sido o resumo do Abbiati também), mas defendeu duas bolas com os pés no final da partida, em chutes de Pato e Inzaghi, que garantiram a vitória.

Confiança é muito importante para um goleiro e ela se alimenta de situações assim, em que você joga bem e seu time ganha. Com certeza, Julio ganhou mais confiança desse jogo do que o Abbiati, mesmo este tendo feito defesas mais difíceis. Hoje, voltamos a ter no Brasil um dono natural da camisa 1, coisa que não acontecia desde o Taffarel (também em breve na seção Lendas) e muito se deve à confiança que o Julio César obteve dos últimos dois anos dominantes da Inter na Itália. Um goleiro em boa fase passa essa confiança à defesa, pois o zagueiro não fica tão pressionado quando sabe que tem alguém para corrigir eventuais erros seus lá atrás, fazendo com que os tais eventuais erros diminuam. Ainda acho que de vez em quando ele tem problemas com a Primeira Bola (ver seção de Definições), mas nada que comprometa o cargo. Julio César é um digníssimo herdeiro de Gilmar dos Santos Neves e tem tudo para ser um dos destaques da Copa de 2010.

Ave, César! Os que estão aqui para assistir te saúdam!

Atualização em 25/2
Barbaridade o que Julio César fez contra o Manchester United na Liga dos Campeões! E li que foi melhor ainda contra o Bologna no Campeonato Italiano. Como diriam na NBA, o rapaz tá on fire!

segunda-feira, 9 de fevereiro de 2009

Escalação

Apesar de não falar só de futebol, é natural que o nobilíssimo esporte bretão seja presença recorrente nessas mal-traçadas linhas, tanto na forma quanto no conteúdo. Assim, de tempos em tempos desfilarão nesse gramado os principais personagens dessa tragédia grega, dos mais geniais aos mais geniosos.

Começando pelos guarda-metas, a seção de Lendas trará os mais destacados arqueiros desde a invenção da posição, em meados do século XIX, até os dias de hoje, com os abnegados atuais, passando pelos adversários, os perversos e cruéis atacantes, na seção O Lado Negro da Força e terminando com o tudo e o nada do futebol, das efemérides às grandes questões existenciais, na seção Bola Rolando. Além disso, a seção Definições trará um pouco do jargão e das gírias do mundo do futebol, bem como a tradução de alguns conceitos técnicos, táticos e comportamentais, enquanto a seção Anatomia de Uma Defesa terá a análise simples e direta de alguns milagres testemunhados.

Mas como também existe vida fora das quatro linhas, os personagens ludopédicos dividirão as luzes da ribalta com a família, os amigos e todos os habitantes do dia-a-dia na seção Extra-campo. Na seção O Mundo é uma Bola, terá vez a fauna dos demais esportes, do Paredão ao Superbowl. Além disso, vez por outra também haverá espaço para as outras formas de arte, notadamente a literatura, a música e o cinema, na seção Pedro Herz. E a pièce de résistance do blog, a seção Bob Jones, onde pretendo escrever para e sobre a minha prole.

E que os deuses do futebol sorriam para a nossa pelada.

sexta-feira, 6 de fevereiro de 2009

Abrem-se as cortinas e começa o espetáculo!

Esse blog não é exclusivamente sobre futebol. Nele, pretendo falar de tudo o que achar interessante, sem pauta nem linha editorial. Porém, ser goleiro é algo intrínseco à personalidade dos que encaram a dura missão de impedir o principal objetivo do jogo. É algo ligado à essência, ao âmago, à alma de quem passa a vida metaforicamente acorrentado onde a grama não nasce. O goleiro vê diferentes ângulos, busca alternativas inusitadas e soluções inéditas. O goleiro é um contestador por natureza. Se dizem que o objetivo do jogo é fazer gols, ele responde "aqui, não!". Esse blog não é sobre a vida de um goleiro, mas sobre a vida segundo um goleiro.

Por favor, entre e fique à vontade. A grande área é sua, mas a pequena é do goleiro!