quarta-feira, 4 de julho de 2012

De antis e ódios

Disclaimer: tudo nesse post vai de memória, sem verificação de fontes, nada. Os dados que forem incluídos o serão para ilustrar a minha percepção do que aconteceu. Se quiser os dados reais das partidas, times e campeonatos citados, por favor, não se fie na minha memória e pesquise no Google.

Minha primeira lembrança de um jogo de futebol foi um São Paulo x Portuguesa no Morumbi. Lembro que fui com meu pai, lembro que era uma tarde ensolarada, lembro que quando eu sentava na arquibancada de concreto, meus pés não tocavam o chão. Ah, lembro também que um cara da Portuguesa tentou fazer um gol do meio de campo, a bola passou do goleiro, mas pegou na trave. Não lembro quanto foi o jogo, qual era o campeonato ou se valia alguma coisa.

O primeiro jogo que eu realmente lembro de detalhes maiores foi Guarani 3 x 3 São Paulo, final do Brasileiro de 1986. Vimos pela TV, mas com o som desligado e o rádio na Jovem Pan. O jogo foi no Brinco de Ouro da Princesa (lembro do Wanderlei Nogueira dizendo 'isso sim é nome de estádio!'). De memória, o São Paulo tinha Waldyr Perez, Zé Teodoro, Wagner, Fonseca, Nelsinho, Silas, Pita, Muller e, principalmente, Careca. O Guarani tinha Sergio Néri, Boiadeiro e, principalmente, Evair. O Evair foi meu primeiro vilão no futebol! Era ele quem queria evitar que o meu time, o time do Bem, fosse campeão! O Careca, em contrapartida, foi meu primeiro herói - e nada mais heróico que empatar o jogo no último minuto do segundo tempo da prorrogação da final do campeonato. Nem lembro se ele fez o seu penalti depois, mas lembro que fomos campeões - ou seja, o Bem venceu o Mal, como toda criança gosta. Talvez por isso eu tenha perdoado o Evair anos depois.

No ano seguinte, lembro de alguns flashes de jogos da Libertadores. Contra o Cobreloa, no Chile (que criança esqueceria um time chamado Cobreloa?), quando meu pai me deu a primeira aula de fundamento de goleiro em uma defesa do Waldyr ('qualquer goleiro com menos fundamento teria espalmado para escanteio, mas olha como ele faz, puxando a bola para frente...'). Também lembro que teve algum rolo no tapetão entre São Paulo e Cruzeiro na Copa União, o que me levou a rasgar a figurinha do Careca Bianchesi (a repetida, claro) como protesto. O São Paulo não foi longe na Libertadores e o Guarani não jogou a Copa União, então coube ao Cruzeiro assumir o papel de vilão futebolístico (o Mal), imprescindível à qualquer torcida. Lembro que na final, torci pelo Inter por causa do Taffarel e do Luis Carlos Winck, figurinhas carimbadas do meu álbum, mas não foi nenhum grande desgosto ver o Flamengo campeão.

Depois, lembro de um Paulista em que São Paulo, Palmeiras, Corinthians e Santos chegaram nas semis e isso não acontecia há algum tempo. O Corinthians tinha Carlos, Edson, Wilson Mano, Dida, Biro-biro, Everton e Edmar. O Palmeiras tinha o Zetti e o Edu Manga. O São Paulo tinha Gilmar, Pita, , Edvaldo e Neto. O Santos tinha Rodolfo Rodrigues. Lembro de um São Paulo 3x3 Corinthians (com 3 do Biro-biro), de um gol do Neto de falta no Palmeiras (no que deve ter sido o maior frango da carreira do Zetti) e de ouvir São Paulo x Santos no rádio na casa da minha avó. Mas nenhum deles era o Mal. Nenhum deles botava medo. Jogar contra eles era até mais legal que contra os outros.

Em 89, o Vasco encarnou o Mal de tal forma que só foi perdoado no ano passado, depois de uma purgação pela Segundona e de se livrar do Eurico. Final do Brasileiro, jogo no Morumbi, o Vasco jogava por uma vitória para ser campeão. Se empatasse ou se o São Paulo ganhasse, teríamos um jogo de volta no Maracanã. Meu pai havia prometido que se tivesse jogo de volta, nós iríamos para o Rio assistir! Eu nunca tinha ido a outro estádio que não o Morumbi - ou seja, torci como nunca nesse dia. Porém, aos 40' do 2º o Bismarck me cruza uma bola da direita, o Sorato cabeceia no canto e o Gilmar espalma para dentro. Final, 0x1. Até hoje, eu nunca vi um jogo no Maracanã.

No ano seguinte, finalmente, o Corinthians entrou para a lista de componentes do Mal, ao ganhar o Brasileiro da gente. Com Ronaldo, Paulo Sergio, Guinei, Ezequiel, Wilson Mano (que fez um gol de joelho no jogo de ida da final) e Tupãzinho (que fez um gol de carrinho no jogo de volta) e mais um elenco limitado, eles tiraram o que seria o primeiro título do embrionário time do Telê, já com Zetti, Cafu e Mario Tilico, que eu me lembre. Mas nem aí o ódio foi tão forte, pois pouco depois teve aquela célebre final do Paulista com os 3 gols do Raí para compensar.

No outro ano, ganhamos o Brasileiro em cima do Bragantino de LuxemburgoMauro Silva, Silvio, Ronaldo Alfredo, Gabriel e Marcelo - e não dá para não simpatizar com uma história de Cinderela como a deles. Deu até uma certa dor no coração acabar com o sonho, mas simplesmente não dava para perder três Brasileiros seguidos. E o Muller até tentou, furando bisonhamente a bola em que, no rebote, o Mario Tilico fez o gol do título.

Na Libertadores, pegamos o Criciúma de Felipão e Jairo Lenzi, mas o que assustou mais foi a tal altitude, quando jogamos no Peru (ou seria Bolívia?). Lembro de ganharmos do Flamengo com um golaço do Palhinha e um gol perdido incrível do Catê, de passarmos pelo Barcelona (EQU), de uma bola na linha que o Ronaldo Luis salvou contra o Cerro Porteño e de chegarmos na finalíssima contra o Newell's Old Boys, o primeiro integrante do eixo do Mal estrangeiro, do temido Gamboa (ou Gangorra, como dizia o Macedo). Lembro que eu odiei o Ronaldão até o fim dos penaltis (como é que um zagueiro daquele tamanho bate o penalti fraquinho no meio do gol?), mas depois passou.

Nesse ano, fizemos o tradicional (naquela época) passeio pela Europa no meio do ano, jogando o Teresa Herrera e o Ramón de Carranza. Lembro que ganhamos ambos, goleando o Real Madrid por 4x1 em um e o Barcelona  por 4x0 em outro. O time do Telê jogava por música. E no fim do ano, ganhamos de novo do Barcelona de Zubizarreta, Bakero, Nadal, Guardiola e Stoychkov. Lembro de ter assistido sozinho, na cama dos meus pais, que estavam fora por algum motivo.

O único vilão esse ano foi o Vasco (outra vez) de Bebeto e Carlos Germano. Com a agenda lotada por causa dos torneios de verão europeus, o São Paulo acabou jogando a sua classificação para as finais do Brasileiro logo depois da final do Mundial. Foi contra o Vasco, em São Januário, e precisávamos de uma vitória simples contra um time já eliminado (depois de liderar a fase de classificação, diga-se de passagem). Pois o time esteve irreconhecível e tomamos de 3x0 - o primeiro gol, inclusive, foi numa batida de roupa do Zetti. Bem-feito pro Vasco, que acabou vendo o Flamengo campeão.

No outro ano, outra Libertadores. Naquela época, o campeão do ano anterior não jogava a fase de grupos, então o São Paulo estreou direto no mata-mata. E pegou, logo de cara, o Newell's de novo! Lembro que entramos dormindo no jogo na Argentina e perdemos de 2x0. No jogo de volta, o Telê armou uma marcação pressão na saída de bola tão eficiente que os argentinos não passaram do meio de campo até o intervalo. Virou 3x0 para nós e acabou 4x0, com direito ao único golaço do Dinho que eu consigo lembrar.

A final contra a Universidad Católica foi um 5x2-fora-o-baile, mas esse eu lembro de detalhes mais vívidos, pois estava no Morumbi. Lembro do Gilmar ter tentado atrasar uma bola para o Zetti sem ver que ele não estava no gol - o Zetti acabou evitando o gol e o juiz se confundiu, não marcando a recém-criada atrasada. Lembro do golaço por cobertura do Muller, que foi bem na minha frente. Lembro de uma sequência espetacular de defesas do Zetti, que foi no gol do outro lado. E lembro de ter saído de lá com a sensação de que ganharíamos assim sempre.

Ledo engano. O vilão seguinte foi um dos mais doloridos, já que foi o primeiro que triunfou sobre nós após atingirmos esse nível de excelência. O Velez Sarsfield, do goleiro bad boy José Chilavert, nos superou nos penaltis em pleno Morumbi. E para piorar, naquela época nascia o Palmeiras-Parmalat, que seria o nêmesis do São Paulo do Telê até o fim de seus dias. Ganhamos deles naquela Libertadores, com duas atuações de gala do Zetti, mas isso não ia se repetir para sempre. Esses foram meus primeiros inimigos fidagais, daquele que você torce para que perca até o par-ou-ímpar: Velez e Palmeiras. Chilavert e Luxemburgo herdaram esse meu ódio, depois.

Foram alguns anos torcendo contra o Palmeiras - o Velez acabou sumindo rápido. E anos negros, em que eles tinham Velloso, Cafu, Antonio Carlos, Roberto Carlos, Evair, Djalminha, Edmundo, Mazinho, ZinhoRivaldo e a gente se virava com Valdir Bigode e Euller. Mentira, também tínhamos Leonardo, Válber, Palhinha, França e Vágner, mas não dá para negar que os céus verdes eram muito mais estrelados. De qualquer forma, a partir de 98 nós paramos de fazer frente ao poderoso suíno e passamos a sucumbir ao ascendente Corinthians de Marcelinho Carioca. Nunca foi tão fácil identificar o Mal: além de ganhar do meu time, o vilão ainda tinha caráter duvidoso. E era bom no que fazia. Praticamente um estereótipo de vilão de história em quadrinhos.

Em 98 e 99 o ex-vilão Palmeiras, através de São Marcos, passou a nos vingar das derrotas para o Mal. E elas foram muitas, as derrotas, fazendo com que os corinthianos apelidassem o Morumbi de seu 'salão de festas'. Foram anos doídos, em que a perspectiva de um jogo contra eles já me deixava agoniado - era a certeza de ver o Gil deitando e rolando para cima do Julio Santos e do Liédson passando por cima do Jean. Triste, muito triste, o período mais negro da minha história de torcedor. E perdurou até 2002, quando montamos os Galáticos do Morumbi, com Ricardinho, Kaká e Luis Fabiano, além de um supporting cast razoável.

Nesse ano, eu estava confiante de encarar o Corinthians de igual para igual - o time deles continuava forte, que fique claro - mas havia uma pedra no meio do caminho. O Santos, que nunca havia sido nada de mais a meus olhos, pôs as manguinhas de fora. Com uma geração de ouro da base e algumas peças que se encaixaram por mágica (Fabio Costa, Maurinho, Alex, André Santos e Léo, Paulo Almeida, Renato, Elano e Diego, Alberto e Robinho), eles trucidaram o time do Bem em todas as chances que tiveram. E ainda dançaram em cima do símbolo, no Morumbi.

Bom, o Santos seria o novo time do Mal, mas eu nunca consegui torcer contra eles de verdade. Sei lá, o Santos é um time simpático. Não tenho problemas em vê-los ganhar, nem nunca tive - desde que não seja da gente, claro. Assim, o posto máximo do Mal ficou vago por um tempo - até 2004, mais ou menos. Foram tempos turbulentos para os lados do Morumbi, com uma eliminação na semifinal da Libertadores para o glorioso Once Caldas (que nem chegou a ser do Mal, de tão insignificante) e uma chuva de pipocas na saída do Fabuloso.

Depois veio 2005, com tudo o que ele teve de bom. Ganhamos o Paulista ao natural, a Libertadores sem muito susto (apesar do esforço sobre-humano do Atlético-PR para forjar uma 'rivalidade' conosco) e, para compensar, o Mundial mais sofrido da história, contra o Liverpool. Eu vi o jogo sozinho em casa - a atuação de goleiro mais decisiva da história do futebol - e depois recebemos alguns amigos para um churrasco, nada a ver com o futebol. Fiquei impressionado com o ódio de um dos presentes, corinthiano, para com a galera que estava comemorando. Isso porque eles tinham ganho o Brasileiro esse ano! Mas, realmente, eles tinham razão de nos odiar, pois naquela época os nossos confrontos eram bem desiguais. Lembro que derrubamos 2 ou 3 técnicos deles na sequência (Passarella, nos 5x1 do Pacaembu, Tite, naquele em que o Coelho perdeu um penalti e o Kia foi no vestiário reclamar, e mais um interino que não lembro) e ficamos quase 3 anos sem perder - até aquele 1x0, gol do Betão, no Brasileiro do rebaixamento deles. O Mano Menezes, aliás, foi elogiado por ter passado um ano sem perder para o São Paulo.

Mas o Mal não estava adormecido. Nessa época, ele encarnou no Internacional, que não contente em nos tirar o bi da Libertadores, ainda tentou disputar o título Brasileiro de 2006 com a gente. A derrota para o Inter foi doída, mas não gerou tanto ódio - o time deles era muito bom, com Sóbis Fernandão. Até torci por eles contra o Barça. O ódio só veio depois do caso Oscar mesmo.

Em 2007, paramos no Grêmio, em 2008 no Fluminense e em ambos, levamos o Brasileiro para compensar - nenhum ódio envolvido. Em 2009 é que foi inconcebível, perdemos para um Inter capenga (Mazembe que o diga) e ainda deixamos escapar o quarto Brasileiro consecutivo em um jogo despretencioso contra o Goiás - nesse caso, o ódio não era muito direcionado, não tinha um vilão caracterizando o Mal. Quer dizer, até tinha: nesse meio tempo, o Corinthians, incomodamente, começou a se recusar a perder da gente! Essa época, sim, foi de ódio: não ganhávamos nada, nem do Corinthians! Foram mais (acho que) 2 anos até que o ódio passasse - lavado com uma vitória e o 100º gol do Rogério Ceni.

De lá para cá, o São Paulo entrou em uma ebulição interna tão grande que perdeu o sentido procurar vilões nos nossos adversários. Não foi o Avaí ano passado nem o Coritiba esse ano que despertaram meu ódio, mas sim o Juvenal, o Adalberto e o Jesus Lopes. Os adversários, Corinthians e Palmeiras included, parecem mais se solidarizar com essa cruz que ora carregamos e que eles tão bem conheceram.

Enfim, já fui anti-corinthiano, anti-palmeirense e anti-inter (esse, ainda sou). Torço contra com todas as forças quando um time se opõe aos esforços do São Paulo para ser campeão, como os times acima citados fizeram acintosamente. Porém, não é esse o caso hoje em dia. O São Paulo é que se opõe aos seus próprios esforços. Acintosamente.

Além disso, esse time do Corinthians é até que bem simpático, tirando as laranjas podres de costume (Emerson, Chicão, Jorge HenriqueAndrés). O Danilo, por exemplo, é um que merece esse título.

Enfim, não chegarei a ponto de torcer a favor do Corinthians, mas não me importo tanto se ele ganhar. Posso simplesmente sentar e aproveitar o jogo.